O BONDE 70:

Por: Gisele Resende

Isabel estava próxima de completar 90 anos, mas, contrariando o dito popular de que quando envelhecemos voltamos a ser criança, não se sentia nada bem. Sentia-se como uma pedra atravancando o caminho, sentia um peso enorme impedindo-a de olhar ao redor esquecendo-se de viver. Nasceu com um pouquinho mais de 10 meses de gestação, pós-termo, talvez por isso gostasse tanto do tempo e não tivesse pressa. Aprendeu a ser velha de tanto saber esperar, e assim adorava contar as coisas para passar as horas tendo como melhor companhia uma bolsinha de dinheiro com umas poucas lembranças: um par de brincos envelhecido, sua identificação da época do trabalho como funcionária pública e seu dinheiro, que mesmo pouquinho, não podia deixar de estar lá, para contar as notinhas... A cada momento de nostalgia não cansava de falar para toda geração:

 – Eu já andei de bonde, sabia? O bonde 70. Ah! Fui da época do bonde... E, assim lá ia ela, por infinitas estórias contadas com saudade do passado. Era nítido como Isabel ficou presa no bonde 70 e não o deixou passar, como ela se esqueceu de viver, deixar viver.

Era a filha mais velha de Dona Constância e Seu Ferreirinha, casal pacato do bairro da Tijuca que teve 12 filhos: 7 meninos e 5 meninas, dois natimortos. Isabel foi a zeladora de todos, ajudava a mãe que não tinha descanso, pois parir foi o seu ofício durante toda uma vida. Seu útero, um jardim gerando vários botões de flores. Um dia secou e morreu. Isabel tornou-se ainda mais responsável por seus irmãos. Seu Pai, que era funcionário público, levava os filhos mais velhos para trabalhar com ele. Naquela época passava-se ao serviço público por conhecimento e influência. Porém, mesmo trabalhando, a mocinha não perdeu o seu destino de vista, auxiliar os irmãos mais novos no que necessitavam, e por aí os anos passaram.

Hoje, Isabel, vive na casa da sua irmã e é cuidada por ela, e isso a deixa muito triste, pois envelheceu, mas não aprendeu a envelhecer. Não teve sua própria história: sua casa, seus filhos, seus amigos... Apenas teve preocupações. O quarto é o seu lugar preferido. Quando passamos pela porta, ficamos a escutar suas lamentações, seu choro; prefere estar com as suas lembranças, suas indagações que muitas nem chegamos a conhecer, parece que ficou de mal com a vida, que não gosta de gente e no fundo, bem no fundo, Isabel reconhece que escolheu ser sozinha, que não deu uma chance para si e para o outro e que cuidar nunca poderia ter sido sinônimo de obrigação e anulação e sim de prosperidade...

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