CONTO DE AREIA DE MARIA TEREZA:

Por: Gisele Resende

Tereza que era Maria também, mas muitas vezes preferia ser só Tereza, desde criança, foi dada a uma fraqueza pulmonar. Sua aparência era franzina, o seu jeito de engolir o ar como quem devora o vento fazia com que seus pais se mantivessem em permanente estado de preocupação. O que seria dessa menina? Por quantos ventos fortes passaria e quantos a derrubariam? Sempre pensando em sua resistência faziam o melhor, ou o que achavam melhor para fortalecer seu ânimo: limpeza da casa, alimentação regrada, vitaminas, gemadas, garrafadas e bastante mingau de fubá como se de grão em grão o pulmão pudesse se encher de sangue vivo. A benzedeira, essa foi o último recurso. Cansados de tantas crises de bronquite, do vai-e-vem do Hospital e das injeções de adrenalina, apelaram para os Santos. Tanta reza e ladainha que no final saíam com a certeza do dever cumprido, mas por mais uma noite de lua posta no céu, lá estava o chiado no peito da menina assobiando de novo, cantando a canção da madrugada. Sua mãe já tinha uma cadeira cativa ao lado da cama, dormia e acordava como quem espera o canto triste da morte, com a certeza de que ela viria.

 Assim foi dos 9 aos 13 anos. O Pai não se conformara com o destino da menina e conversava com a esposa:
— Como pode alguém gritar dia e noite querendo respirar? Tem alguma coisa de estranho... Essa menina está sendo criada do jeito certo, será carinho demais ou ausência?
 — Não sei homem! Os médicos dizem que é a tal da bronquite que afeta os pulmões e vai apertando as veias, não deixam espaço para o ar entrar pelos brônquios. Ai, meu Deus! Tanto nome  difícil na vida começando pelo que forma o corpo da gente seria tão mais simples se fosse só cabeça, pernas, braços e barriga.
 — Mulher! Deixa de ser complicada, se o Doutor falou que é assim, vamos entender essa coisa de bronquite, só compreendendo é que podemos ajudar a nossa filha a respirar sem que o custo seja o seu cansaço e a falta de disposição.

 A esposa se entregava àquele marido amado de sua alma, e a sua família como a vela se entrega à chama e chora no fogo expedido pela alegria, deixando escorrer o pranto ardido da dedicação. Assim, ela fazia toda inteira para sua casa e filhas sem piscar ou tremer, e defendia o lar como a leoa defende a cria. Aceitava o seu dever de mulher e seguia, só seguia a voz do marido.
 – Não vou complicar. Em tudo o que o médico mandar, vou ser a primeira a cumprir. Quero ver Terezinha brincando, buscando as flores no jardim sem precisar escolher entre o malme-quer e o bem-me-quer... Que ela possa ter a benção natural de respirar, sem sentir. O marido, buscando alguma solução para ajudar a filha, disparou.
 – Ouvi dizer que remédio para aflição de pulmão é água. A pessoa tem tanta ansiedade no peito que precisa ser lavada, pois essa ansiedade vira cinza e a sufoca. Daí, com um banho, a água limpa vai abrindo as veias.
 – Quem foi que te falou isso? E por que Terezinha teria tanta ansiedade no peito? – Foi um cliente que disse que remédio bom pra isso é nadar, abrir os braços e abraçar as águas. Ele falou que seus pensamentos são muito grandes para a sua idade, pensa muito... Aí o pulmão tem que ficar apertadinho para aguentar a ligeireza das suas vontades.
 – Vamos perguntar ao médico, só perguntando para saber. O médico confirmou que, de fato, podia ser bom, não prejudicaria em nada. Levaram a ideia à menina e em pouco tempo tudo já estava acontecendo. Ela e sua irmã, Cristina, brincavam com as águas, e na brincadeira ia curando seus medos. Durante alguns anos as crises foram se espaçando. Tereza se aprimorou cada vez mais. Gostava do esporte, participava das competições, aprendendo que ganhar saúde física era bom, mas ganhar confiança em se controlar e esperar o momento certo para mergulhar, nadar e chegar do outro lado era realmente mágico... Gostava de todas as modalidades, mas o que a deixava mais alegre era nadar o estilo borboleta. Alguns a chamavam de golfinho, para a menina borboleta diziam que seus braços eram as asas que se levantavam das águas para alçar voo, uma, duas, três... Tantas vezes até chegar à margem do lado de lá.

Tereza foi boa nadadora, conseguiu algumas medalhas, esqueceu-se da bronquite, dos assobios e dos chiados de gato no pulmão. A vida tornou-se mais úmida, pela lavagem das aflições. Até que um dia depois de brincar na areia da praia e querer se jogar no mar, olhou para a imensidão azul e percebeu o quanto era pequena. Imediatamente se lembrou de uma frase que sua mãe sempre dizia:
 – O mar não tem cabelo, portanto, menininha, cuidado! Mesmo sabendo nadar, nunca se sabe nada do mar... Mesmo diante do temor do mar se lançou, tentando se desamarrar da força das ondas, saiu de um lado, entrou em outro e, mais uma vez, se questionou, entre braçadas:
 – Como na piscina é tão mais fácil! É previsível, controlado e cheio de gente do outro lado esperando. No mar, sou só eu e ele apenas.

Entendeu o que sua mãe dizia. Esteve alguns minutos sentindo seu cheiro, sua cor, entendendo o tempo do Mar. Como Ele podia se agitar e depois se acalmar? Pensou na areia no fundo do mar. O mar tem fundo, apoio e eixo. Pensou, pensou e pensou no tempo que gritava pelo ar e descobriu nas águas sua cura, a calmaria para aquietar sua sede. Descobriu pelas águas o toque da sabedoria em se deixar apenas ser. Mergulhou mais uma vez sentiu o seu silêncio e o interior que gritava seu nome:
 – Vem Tereza, vem nadar no mar, vem me abraçar, sentir minha água salgada igual as suas lágrimas de tanto chorar... Tereza ficou surpresa, pois sentia que ele a conhecia tanto, tanto que se espremeu de vergonha, depois, sentada na areia. Viu que as conchas se entregavam às suas lambidas e o seguiam. Era como alguém que quisesse ensinar a cura dos quebrantos. Ela, menina, avistava a linha do horizonte, percebia que em algum lugar chegaria e que tudo tem princípio, meio e fim e alguns misté- rios. Pensou nos seres do mar, nas sereias, dragões, tubarões... Teve medo e mais uma vez exclamou:

– A piscina é rasa. Sinto o meu pé, consigo enxergar! E a voz lhe assegurava algo novo: – Vem Tereza, vem para o Mar... Ela descobriu que o silêncio a confortava, não a entristecia, ao contrário alimentava a sua alma e a jogava nesta busca de si.
– Acho que quando se procura muito o desejo pela vida corremos o risco de nunca encontra-lo, mas quando respeitamos o tempo, ele nos traz o que jamais pensamos desvendar. A minha inspiração é como as ondas, maré cheia, baixa... Vai e vem. Como água que escorre grossa depois afina. E vendo o azul do mar e as espuminhas brancas, que ora o cobria como véu de Nossa Senhora, tocou-lhe serenamente com seus pés e disse:

– Muito prazer. Estou aqui. Que queres de mim? Sou Tereza! E o mar cheio de emoção lhe beijou e a reverenciou:
– Tereza, conhecestes as águas calmas, agora estás preparada; eu sou o mar, que te arrasta e devolve para si, eu sou a tua vida!

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